As lendas e os mitos mais populares do Peru
O Peru tem uma história milenar em que seus habitantes construíram uma grande tradição oral que sobrevive até os dias de hoje. A maioria desses mitos e lendas pertence às regiões andinas e de selva do território peruano, onde a geografia acidentada e os fenômenos naturais exigiram uma explicação fantástica no início do primeiro milênio. Os protagonistas dessa tradição oral são as montanhas, personagens históricos como os primeiros incas, animais de beleza misteriosa, além de personagens fantasmagóricos que explicam fenômenos naturais impressionantes. Conheça as lendas e os mitos mais famosos do Peru.
Conteúdo
O deus mítico Huiracocha no Peru antigo – Huiracocha é a principal divindade do Peru antigo, cuja representação data de 5 mil anos atrás. Ele é considerado o deus supremo, criador do mundo e das coisas. Seu nome verdadeiro, no idioma quíchua, é Apu Kon Illa Tiqsi Wiraqucha Pachayachachiq Pachakamaq, que significa “grande senhor da luz eterna, do conhecimento da terra e criador do mundo”. Huiracocha estava presente na cultura Caral (5 mil anos), na cultura Wari (século X d.C.), na Tiahuanaco no altiplano (século X d.C.) e até no império Inca (século XIV). Sua representação é antropomórfica, com dois cajados em ambas as mãos, razão pela qual ele também é chamado de “deus dos cajados”.
A lenda dos irmãos Ayar
A lenda dos irmãos Ayar explica, de forma lendária, a origem da civilização inca em Cusco. A lenda diz que, após uma grande inundação, quatro irmãos e suas respectivas esposas partiram em uma longa jornada para encontrar um novo lugar para viver com suas famílias ou ayllus. Os irmãos eram: Ayar Manco e sua esposa Mama Ocllo, Ayar Cachi e sua esposa Mama Cora, Ayar Uchu e sua esposa Mama Rahua, bem como Ayar Auca e sua esposa Mama Huaco.
Durante a viagem, surgiram ressentimentos e ciúmes entre os irmãos. Assim, Ayar Cachi foi trancado em uma caverna. Por sua vez, Ayar Uchu foi transformado em pedra ao tocar em um ídolo na colina de Huanacauri. O mesmo aconteceu com Ayar Auca no Pampa del Sol. Apenas Ayar Manco e sua esposa Mama Ocllo permaneceram e afundaram o bastão de ouro nas terras férteis do vale de Cusco, onde fundariam o império inca por ordem do sol, o deus Inti.
- Referência histórica: Migração do grupo étnico inca para o vale de Cusco, provavelmente no início do século XII.
- Mais informações: Outra lenda semelhante que se refere a essa migração é a lenda de Manco Capac e Mama Ocllo.
A lenda de Ayaymama
A lenda da Ayaymama refere-se a um dos pássaros amazônicos mais misteriosos, o Nyctibius Leucopterus, que é ouvido à noite com um canto melancólico que se assemelha a um chamado à mãe. A lenda refere-se a uma mãe de uma comunidade nativa que, para salvar seus filhos de uma praga, abandona-os em um desfiladeiro de rio. As crianças se alimentavam de frutas durante o dia. Mas quando a noite chegou, elas procuraram a mãe no escuro, sem perceber que estavam perdidas no mato.
As crianças desejavam se tornar pássaros para que pudessem voltar e fugir da floresta amazônica e encontrar sua mãe. A lua ouviu seus gritos e ficou com pena delas. Então, ela os transformou em pássaros com uma bela plumagem que se misturava à noite. As crianças voaram de volta para sua aldeia sem encontrar ninguém, pois todos haviam morrido de peste. As crianças continuaram voando tristemente pela selva em busca de sua mãe, repetindo seu lamento: ayaymama, ayaymama.
- Referência histórica: A origem do pássaro Ayaymama (Nyctibius Leucopterus).
- Mais informações: Há outras versões do mito da Ayaymama espalhadas em diferentes regiões e comunidades da vasta floresta amazônica.
A lenda de Huascarán e Huandoy
Essa lenda se refere à criação de duas das mais altas e esplêndidas montanhas cobertas de neve do Peru: Huascarán (6.768 m) e Huandoy (6.560 m). A história conta que o deus do sol, Inti, estava procurando um deus igualmente supremo para se casar com sua bela filha Huandoy. Ela, por sua vez, amava um jovem príncipe mortal chamado Huascarán, que, apesar de sua beleza e audácia, não foi aceito pelo deus supremo Inti por ser mortal, de caráter inferior ao de sua filha.
Diante da rejeição do filho ao pai, ele ficou furioso e decidiu transformá-la em uma montanha alta e majestosa coberta de neve perpétua para extinguir sua paixão ardente pelo príncipe Huascarán. Por sua vez, ele o transformou em uma montanha muito alta, também com neve perpétua em seus cumes, e separada de Huandoy por um belo vale onde suas lágrimas formariam a lagoa Llanganuco. Atualmente, Huascarán, Huandoy e a lagoa Llanganuco são atrações turísticas na região de Ancash.
- Referência histórica: Atualmente, os habitantes do Callejón de Huaylas se referem a essa lenda para explicar a origem dessas duas imensas montanhas no ponto mais alto do Peru.
- Mais informações: O Huascarán é a montanha coberta de neve mais alta do Peru, com uma elevação de 6.768 metros acima do nível do mar. Ele está localizado no Parque Nacional Huascarán, no departamento de Ancash.
O mito de Inkarry
O mito de Inkarry, difundido pela tradição oral em vários vilarejos da região andina do Peru, narra a ressurreição do império inca nos tempos modernos com uma clara visão messiânica influenciada pelo cristianismo nesses vilarejos. Ela conta a história do deus Inkarri, que foi morto e desmembrado pelos espanhóis. Sua cabeça foi enterrada em Cusco, enquanto seus braços e pernas foram enterrados em outras regiões andinas. A cabeça foi revivida no subsolo em uma tentativa de se reunir aos membros.
O mito de Inkarri afirma que a cabeça finalmente se unirá aos membros para formar uma unidade e reviver o império inca. Esse deus Inkarri se vingará e matará Españarri, uma figura que representa o colonialismo. Acredita-se que essa lenda se refere à rebelião de Tupac Amaru II. Atualmente, existem versões em regiões como Puquio (Ayacucho), Huarochiri (Lima) e até mesmo Cusco. Ela está compilada em uma pesquisa realizada por José María Arguedas em 1956.
- Referência histórica: O mito de Inkarri teria suas origens no século XVIII, na época da emancipação revolucionária de Tupac Amaru II em Cusco.
- Informações adicionais: Acredita-se que a primeira versão do mito de Inkarri tenha sido encontrada na tradição oral da comunidade Quero na região de Cusco.
A lenda do sapo de pedra
Essa lenda, difundida em toda a região de Pasco, nos Andes centrais do Peru, conta a história de uma mulher idosa que colhia as maiores e mais saborosas batatas do vilarejo. Uma noite, quando a velha dormia, um sapo inquieto entrou em seus campos para devorar toda a colheita de batatas, o que provocou a fúria da velha. Ela revelou sua verdadeira personalidade de bruxa lançando um feitiço que destruiu tudo em seu caminho, inclusive o sapo.
O sapo caiu em uma enorme rocha e foi transformado em pedra para sempre. Essa figura ainda pode ser vista hoje no Bosque de Piedras de Huayllay, localizado na província e no departamento de Pasco. A lenda se refere a uma das figuras mais icônicas e fotografadas do local turístico. Lá, além disso, podem ser vistas outras figuras de pedra, tais como: o falcão, o dinossauro, a foca, o lagarto, a tartaruga, o caracol, o cachorro, o peixe, a cobra e muito mais.
- Referência histórica: A lenda do sapo de pedra é difundida pela tradição oral no departamento de Pasco e se refere à figura do sapo na Floresta de Pedra Huayllay.
- Mais informações: O Bosque de Piedras de Huayllay cobre uma área de 6.815 hectares. Possui mais de 480 figuras, sendo que a mais popular e fotografada é o sapo de pedra.
A lenda do Muki
O muki ou muqui é um dos personagens mitológicos mais difundidos na área de mineração dos Andes peruanos. Seu nome tem vários significados, como “aquele que sufoca” ou “aquele que é enforcado”. Deduz-se que ele se refere aos acidentes fatais e às doenças respiratórias decorrentes do trabalho nas minas. A mitologia se refere a ele como um anão, semelhante a um goblin, com características diabólicas. Há versões que dependem de cada região andina, como Cerro de Pasco, Puno, Arequipa, etc.
A lenda do Muki conta a história de um trabalhador de mina na região de Pucayaco que pediu a seu filho Eustáquio que lhe trouxesse o almoço. Entretanto, quando o menino não chegou, o pai foi procurá-lo e o encontrou jogando bolinhas de gude com outro menino. Descobriu-se que era o muqui que estava usando bolas de ouro para o jogo. O pai capturou o demônio e o obrigou a lhe dar uma bota cheia de ouro em troca de sua libertação. Foi assim que o pai de Eustáquio ganhou muito dinheiro em troca da liberdade do pequeno demônio.
- Referência histórica: A lenda do Muki é muito difundida nas terras altas do Peru, especialmente nas regiões de mineração, como Cerro de Pasco, Puno, Arequipa, etc.
- Informações adicionais: De acordo com a tradição oral em Cerro de Pasco, o Muki tem o poder de fazer com que os veios de ouro apareçam ou desapareçam.
A lenda do Tunche
O tunche é um ser mitológico cuja história oral se espalhou por toda a Amazônia peruana. Ela fala da presença de um demônio errante nas profundezas da floresta, que faz com que as pessoas desapareçam no meio da mata para que morram de animais ou doenças. Essa lenda procura explicar o mistério da selva e as grandes possibilidades de morrer perdido no meio da floresta. O tunche é chamado de uma entidade maligna que assume a forma de um ente querido para enganar sua vítima.
A lenda do tunche pode ter se originado nas pequenas comunidades que habitam a vasta região amazônica peruana. A lenda diz que o tunche emite um apito agudo para se anunciar. Esse apito, de acordo com testemunhos de habitantes da selva amazônica, é facilmente distinguível. Há quem relate ter sobrevivido a esse apito que busca confundir a vítima. O mito está presente em regiões como San Martín, Loreto, Madre de Dios, Ucayali e Huánuco.
- Referência histórica: O mito do Tunche refere-se ao desaparecimento de pessoas na selva amazônica peruana, uma área repleta de perigos de animais e insetos.
- Mais informações: O mito do Tunche é mencionado em diferentes versões, de acordo com compiladores de diferentes origens, nas diferentes regiões da selva peruana.
O mito de Cuniraya Huiracocha
O mito de Cuniraya Huiracocha foi compilado pelo cronista Francisco de Ávila no século XVII como um produto da tradição oral da província de Huarochiri, na região andina de Lima. Cuniraya Huiracocha é um personagem mítico, provavelmente um huaca do antigo Peru, que previu o fim do império inca. O mito conta que o deus Cuniraya Huiracocha se fazia passar por um mendigo malcheiroso aos olhos do público, embora por dentro tivesse grande poder.
Então, apaixonado por uma bela donzela, ele decide se transformar em um pássaro e deixar cair uma fruta com a semente de seu gene masculino. A donzela a come e fica grávida. Com o tempo, ela decide procurar o pai, permitindo que o bebê se aproxime do homem que seria seu pai. Quando viu que seu filho se aproximava do mendigo, ela fugiu com o bebê para o fundo do mar. Cuniraya Huiracocha procurou por ela entre as criaturas marinhas, punindo-as ou recompensando-as de acordo com sua boa vontade.
- Referência histórica: Cuniraya Huiracocha seria a representação oral e mítica de uma huaca local em Huarochiri (terras altas de Lima) e do poderoso deus Huiracocha. Ela foi compilada no século XVII por Francisco de Ávila.
- Mais informações: A primeira tradução do mito de Cuniraya Huiracocha foi feita pelo famoso escritor e antropólogo José María Arguedas em seu livro Dioses y hombres de Huarochiri, em 1966.
Por Machupicchu Terra – Ultima atualização, outubro 12, 2024